quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ballet de Londrina em Castro


30/08 (terça-feira) – Cia. Ballet de Londrina apresenta o espetáculo “A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA”
Horário: 20h
Entrada Franca - INGRESSOS LIMITADOS, sujeito a lotação do Teatro
Obs.: favor retirar o ingresso na sede da Secretaria de Esporte e Cultura.
Informações: 42-3906-2251







RELEASE: Em seu novo espetáculo “A Sagração da Primavera”, Ballet de Londrina relê obra fundadora da modernidade e consolida uma linguagem coreográfica própria
            Não é necessário mais que um palco nu e um grupo coeso de bailarinos para narrar uma história tão antiga quanto o percurso do homem na Terra. É peculiar da própria natureza, aliás, o ciclo que consome tudo o que é frágil, individual e delicado em prol da força coletiva. A morte é o único caminho possível para o florescimento da vida num mundo que se renova às custas de seu próprio fim. O Ballet de Londrina apropriou-se desse movimento brutal para conceber sua nova montagem.
A Sagração da Primavera dá continuidade à pesquisa do coreógrafo Leonardo Ramos sobre a exploração da horizontalidade e de novos eixos de apoio e equilíbrio na locomoção dos bailarinos – característica que já ganhou status de ‘linguagem’ dentro de sua obra e da companhia. “Eu descobri há alguns anos que quando coloco o elenco em pé eu sou convencional. No solo eu consegui expor algo que é novidade até para mim”, afirma Ramos. Outro atributo que se consolida na nova montagem é a utilização de uma obra inspiradora para uma criação coreográfica original - procedimento de sucesso desde Decalque (2007), concebido a partir do roteiro de Romeu e Julieta.
Desta vez, o empreendimento é ainda mais ambicioso. A companhia londrinense propõe uma leitura contemporânea para A Sagração da Primavera, considerada a primeira obra de vanguarda que definitivamente escancarou as portas da Europa para a modernidade. Com música de Igor Stravinsky e coreografia de Vaslav Nijinsky, o balé estreou em Paris na noite de 29 de maio de 1913 para nunca mais ser esquecido. As ensurdecedoras vaias no Théâtre des Champs-Élysées ecoaram como o grito agonizante de uma burguesia conservadora frente àquela novidade estética.
O enredo é relativamente simples: baseada em uma antiga lenda russa, a peça narra a imolação de uma virgem, oferendada aos deuses da primavera em troca da fertilidade da terra.  A jovem eleita dança freneticamente até a morte. As inovações, entretanto, residiam na forma de apresentar o ritual pagão ao público.
A música composta por Stravinsky subordinava melodia e harmonia ao ritmo. Seu andamento era assimétrico e complexo, com acentos perturbantes. O discurso sonoro, que se aproxima do ruído e tem claramente uma intencionalidade dramática, dava especial relevo para a percussão e para as repetições. Na dança, Nijinsky igualmente inovava ao introduzir tremores, espasmos e contorções na seqüência dos dançarinos, que também golpeavam com os pés um palco acostumado à leveza das sapatilhas. Tudo parecia espelhar o espírito da barbárie e do primitivismo.
Na montagem do Ballet de Londrina, Leonardo Ramos optou por uma versão não orquestrada da partitura de Stravinsky. Ela é executada por quatro pianos, que fazem o papel de todos os outros instrumentos. O cataclismo sonoro que brota do timbre pianístico, porém, logo encontra complementação na percussão dos corpos em choque com o tablado ou no sopro ofegante da respiração dos bailarinos.
Esta é, aliás, das mais agressivas e pungentes coreografias já apresentadas pela companhia, que, este ano, completa maioridade. Desde a primeira cena, o que se vê é um embate cego entre forças rivais, um movimento frenético e devastador que elege algozes para subjugar vítimas inofensivas, um confronto sem perdão que sufoca os raros lapsos de lirismo.
Para tanto, o elenco desdobra-se em formações - ora individuais, ora coletivas; ora sincrônicas, ora tenazmente díspares - que ocupam principalmente os planos médio e baixo. A conjugação de corpos estendidos horizontalmente faz lembrar a geografia da natureza em constante transformação e em feroz avanço sobre si mesma. Há a dominância de quedas e lutas corporais, sem que para isso os bailarinos precisem elevar-se do solo em grande medida.
O ser humano é o lobo de si, e nessa dual divisão de opostos evidencia-se sobretudo o maniqueísmo entre o mais fraco e o mais forte. Se em Decalque (2007) impera uma espécie de androgenia das personagens irmanadas pelo amor, e em Para Acordar os Homens e Adormecer as Crianças (2009) a divisão se dá menos pelo gênero que pelo jogo inocência/maturidade, na Sagração há clara ambivalência entre o masculino e o feminino. O confronto entre animus e anima chega a cabo pela devoração desta por aquele, num nítido exemplar do furioso desejo da natureza frente à sedução de uma virgem. Leonardo Ramos amplifica o significado da feminilidade, dedicando sua versão da Sagração às mulheres, como “símbolo de todas as minorias”.
Ao modo de uma Guernica de Picasso (obra pictórica que inspirou o coreógrafo), a montagem do Ballet de Londrina parece desenhar-se em linhas rígidas e monocromáticas. O figurino em tons de bege cobre os dançarinos para mostrá-los. Estes homens primordiais, vestidos pela nudez de suas próprias peles, movem-se num cenário vazio, recoberto apenas pelo linóleo preto. Tais elementos (ou ausências) evidenciam o primitivismo e a universalidade do tema. As cenas do palco são duplicadas e invertidas pela colocação de espelhos na parte alta. “Não é um cenário, mas uma maneira funcional de auxiliar a platéia a ver certos momentos do espetáculo, que está muito grudado ao chão”, explica Leonardo Ramos.
A economia nos aspectos figurativos, entretanto, é compensada pela explosão simbólica da movimentação coreográfica. A dança parece contar, por si só, a história de crueldade, ao passo que propõe uma linguagem própria para narrá-la. “A minha idéia nos últimos dez anos é que eu não use mais nada afora a dança; continuo acreditando que ela é capaz. Este é talvez o trabalho em que eu tenha tido mais oportunidade de ter cuidado com cada momento da coreografia”, reforça.
Quase cem anos após a montagem original, o Ballet de Londrina mostra a atualidade do tema da Sagração, bem como o potencial de ressignificá-la. A tarefa ganha ares de desafio: ao longo do século XX, os mais célebres coreógrafos encenaram versões bem particulares da obra de Stravinsky, dentre eles o francês Maurice Béjart (1959), a americana Martha Graham (1984) e a alemã Pina Bausch (1975), dona da tradução mais conhecida.
Na alvorecer de um novo século, a companhia londrinense parece trazer inédita reflexão sobre o papel do homem nesse labirinto perverso que o conduz rumo à finitude. Nas palavras do coreógrafo, “o mundo continua muito primitivo e cercado de horrores; no momento em que a gente se volta cada vez mais para fora, num contexto cada vez mais tecnológico, temos de buscar, através da arte, um ‘para dentro’, uma investigação do ser humano”. Prova de que já são outras flores – mais espinhosas - que garantem a eterna renovação da primavera.
Renato Forin Jr.

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